sábado, 9 de maio de 2009

Marcos 1:40-45

40 Aproximou-se dele um leproso rogando-lhe, de joelhos: Se quiseres, podes purificar-me.
41 Jesus, profundamente compadecido, estendeu a mão, tocou -o e disse-lhe: Quero, fica limpo!
42 No mesmo instante, lhe desapareceu a lepra, e ficou limpo.
43 Fazendo-lhe, então, veemente advertência, logo o despediu
44 e lhe disse: Olha, não digas nada a ninguém; mas vai, mostra-te ao sacerdote e oferece pela tua purificação o que Moisés determinou, para servir de testemunho ao povo.
45 Mas, tendo ele saído, entrou a propalar muitas coisas e a divulgar a notícia, a ponto de não mais poder Jesus entrar publicamente em qualquer cidade, mas permanecia fora, em lugares ermos; e de toda parte vinham ter com ele.

Vemos um leproso, que na cultura judaica era o portador de uma doença associada à impureza e ao pecado, rompendo a segregação da qual era vítima pela lei e pela cultura para, humildemente, se submeter à vontade daquele que, sabia, poderia curá-lo.

A submissão verdadeira e grata à vontade de Deus é algo incompreensível para o homem. Este procura repetir o padrão de resposta à estímulos que observa na lógica das coisas criadas para adaptá-lo no seu relacionamento com o divino. Nisso, conceitos transcendentes como submissão e graça são perdidos e são substituídos pelos conceitos de obediência e mérito.

Na ótica religiosa, esse leproso era um ser desprezível, pois olhá-lo, era ter um espelho diante de si para que a real situação pessoal diante de Deus pelo pecado se refletisse diante de cada um. Segregá-lo antes de ser um ato de vigilância sanitária, era um meio de esconder a face diante de tão terrível realidade. Seu destino era obedecer à ordem instituída, para que o pretenso bem geral da comunidade continuasse a prevalecer.

Entretanto, este rompeu pelo mérito de sua crença na possibilidade da cura, essa convenção sanitária, olhando ainda de maneira religiosa. Embrenhou-se no meio do povo, certamente suportou os olhares de reprovação e as advertências de que ali não era seu lugar. Deve ter visto as pessoas correndo de perto de si, para evitar qualquer contato com sua impureza.

Seu sentimento de inadequação deve ter se potencializado naquele burburinho. Caso sua determinação e crença fossem menores que esse sentimento, certamente teria retrocedido. Mas o mérito de sua fé o levou a transpor essas barreiras, caras e difíceis para um leproso em busca de sua cura.

Diante desse quadro, seria natural pedir-lhe, talvez até em um tom de cobrança: ”Rabi, cura-me. Sabes o que enfrentei: o desprezo, a vergonha, minhas limitações. Por isso, acredito que tenho obras que justificam a operação da cura em mim, para tua honra e glória!”

Será?

Não é dessa maneira que freqüentemente nos dirigimos à Deus? Lastreado nas “nossas” tão caras obras de dízimos, ofertas, horas dedicadas à “Deus” na igreja, evangelização, pregação, ministério, nas lutas, na perseguição na família e no trabalho, em oração e estudo da bíblia... ufa, como somos operosos e fiéis. E como acreditamos que, por isso, temos o direito de sacar de Deus o que na nossa concepção seja o melhor para nós.

E aí nesse aspecto, a “boa, agradável e perfeita” vontade de Deus é apagada de nossa mente. Fica a prevalência de nossa vontade sobre a submissão à vontade d`Ele, fiados nas nossas obras e preço de sofrimento pessoal pela fé que professa.

No entanto o exemplo do leproso nesse trecho é o da mais despretensiosa fé na graça do Mestre. Não se fiou na sua coragem nem na sua audácia, tampouco no sofrimento que passou para chegar ali. O que lhe importava era que chegou ali, não se lembrando do preço que isso lhe custou e nem do mérito que isso poderia render-lhe de crédito, na concepção religiosa. Ele se submeteu, pois sabia que diante d´Ele suas obras era trapos de imundícia.

Mover o coração do Mestre pela pureza de seu desejo submisso à Sua vontade. Por isso o Mestre o cura. Pela entrega de sua questão em fé nas mãos d`Aquele que detém o poder e que opera pela graça que poderia alcançar diante d`Ele. Diante desse quadro de beleza espiritual ímpar, como nos remete ao contemplarmos a “Pietá” de Michelângelo, Jesus extremamente compadecido lhe estende a mão como sinal de que havia alcançado Seu favor e sem rodeios responde com um sonoro e objetivo “Quero, fica limpo !”.

Entretanto, isso não tirou o foco do Mestre. Mesmo compadecido, Jesus não deixou de fazer-lhe “veemente advertência”. Acredito que talvez isso se referisse a situações de pecado em sua vida que precisavam ser acertadas. A cura foi linda, mas ainda mais importante era ministrar a Verdade que liberta. E não perdeu tempo, pois “logo o despediu”.

Jesus, visando resguardar a vida do agora ex-leproso do assédio dos legalistas, o recomenda fazer a oferta de purificação que a lei mosiaca pedia, para que houvesse testemunho ao povo de que o Reino havia chegado, não sem antes recomendar que ele se calasse sobre o que ali havia ocorrido.

No entanto vemos que, apesar de todo aquele “approach” que Jesus e o ex-leproso tiveram, não o impediu de desobedecer a ordem do Mestre, trazendo conseqüências nefastas ao prosseguimento da pregação, a ponto de Cristo não poder entrar nas cidades para pregar e só poder fazer isso de fora, invertendo o processo divino que inicialmente era de Cristo indo ao povo para buscá-lo com a pregação da Palavra para, a partir de então, o povo ter que deslocar-se para os lugares ermos para ouvir a mensagem do Evangelho do Reino.

No meu modo de entender, esse evento reafirma que para o Reino, sinais são as conseqüências. O que importa é sua proclamação através das boas-novas em Cristo. Quando as conseqüências importam mais que a Palavra, o progresso do Evangelho é prejudicado.

Marcos 1:35-39

35 Tendo-se levantado alta madrugada, saiu, foi para um lugar deserto e ali orava.
36 Procuravam-no diligentemente Simão e os que com ele estavam.
37 Tendo -o encontrado, lhe disseram: Todos te buscam.
38 Jesus, porém, lhes disse: Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de que eu pregue também ali, pois para isso é que eu vim.
39 Então, foi por toda a Galiléia, pregando nas sinagogas deles e expelindo os demônios.

Jesus não permitia que a necessidade do povo que O buscava lhe subtraísse os momentos íntimos com o Pai. Seria de se perguntar: se Jesus e o Pai são Um, porque a necessidade de haver momentos de comunhão entre eles ? Já não andam juntos, com o Espírito Santo ainda agregado à Eles, tornando-os uma amálgama divina sobre a terra? Então porque buscar a comunhão entre Ele e o Pai? E ainda por cima em locais onde o ambiente em que a quietude e o tempo disponível fossem fatores facilitadores desse contato?

É preciso lembramos que Jesus era HOMEM. Despojou-se de sua deidade e assumiu sua humanidade com todas as implicações que tal decisão envolvia. Entre elas, a necessidade de gerir seu tempo. O Filho que estava com o Pai na criação e formação de todas as coisas. Ele, um Ser que o tempo não lhe afeta, para quem passado, presente e futuro confundem-se e compõem a história, se submete às limitações humanas de tempo e espaço.

Isso é um sinal evidente que Jesus não veio subverter a ordem das coisas criadas. Ele se adequou à finitude que seu corpo humano impunha em um mundo caído, separando tempo para as disciplinas espirituais e as realizando em ambientes onde as condições para isso lhe fossem favoráveis.

Não aquiesceu aos pedidos de seus discípulos, liderados por Simão, ao procurar alarmá-lo afirmando que todos o buscavam. Antes manteve o foco naquilo que era essencial: pregar as boas-novas do Reino. Para Jesus a mensagem sempre se sobrepôs aos milagres. Sabe Jesus que a maior transformação era aquela operada no interior do ser pelo recebimento da pregação do evangelho por um coração desejoso e aberto.

Quantos exemplos de pessoas que receberam curas miraculosas, mas em seu interior continuaram prevalecendo a ira, a dúvida, o rancor, a ingratidão? Até mesmo o sentimento de superioridade espiritual por ter sido “tocada” por Deus, desprezando outros? Não falo dos exemplos que vemos diariamente nas igrejas, mas aquelas onde Jesus curou e não houve resposta de mudança de vida, como nos dez leprosos que foram curados, mas somente um voltou agradecido.

Jesus não veio para ser visto como um curandeiro ou um milagreiro, mas para ser visto como Aquele que entregaria-se para fazer prevalecer a verdade de sua mensagem que pregava. Ele era a mensagem e o cumprimento dela. Há tempos atrás um antigo livro chamado “Mais que um carpinteiro” fez muito sucesso no meio evangélico discorrendo sobre Jesus, sua pessoa e sua missão. No entanto entendo que Jesus é “mais que o mensageiro”. Ele é a mensagem encarnada!

Como mensagem encarnada, não poderia assentir em transformar-se naquilo que o povo e o diabo queriam: em um curandeiro que trata das exterioridades do ser com a cura que é passageira, pois em vindo a morte essas curas miraculosas perdem seu poder de convencimento, pois o instrumento que as evidencia (o corpo) não mais carrega o sopro de vida. Importava à Jesus que os valores da alma prevalecessem acima dos sinais externos, ainda que os sinais o acompanhassem, como citado nesse trecho da expulsão de demônios por toda a Galiléia.

Por isso, trata de imediatamente de “enquadrar” o pedido de Pedro (e os desejos dos demais), mantendo o foco de sua missão, não deixando de justificar sua opção por prosseguir no propósito de sua vinda: “...a fim de que eu pregue também ali, pois para isso é que eu vim.”

Consciência de suas limitações humanas e permanência no foco, entendo que são os maiores lições de Jesus ensinou nesse trecho.